
Eu, rolando dados alguns anos atrás
Não tinha como escapar: mulher que joga RPG precisa falar sobre a visão “feminina” do jogo. Mas será que existe isso mesmo? Será que há alguma diferença entre um jogador e uma jogadora?
Eu acredito que homens e mulheres são iguais, ou pelo menos equivalentes. Praticamente tudo que um pode fazer o outro também pode. Não creio que haja “coisas de meninos” ou “coisas de meninas”, isso não passa de construções sociais arcaicas que a modernidade está aí para revolucionar. Mas será que dá para perceber um padrão de comportamento que diferencie homens de mulheres na hora de jogar RPG? Ou será que este padrão também não passa de uma “construção social arcaica”?

Brincos de d10
Em todos estes anos jogando RPG, conheci muito mais homens do que mulheres jogadores. E a proporção é alta, pelo menos uns 5 caras para cada moçoila, se duvidar até mais. Sempre houve meninas além de mim nos meus grupos antigos, mas no atual somos eu e três homens. Em resumo: na minha percepção, existem mais homens jogando RPG do que mulheres. Penso que isso ocorre porque homens têm mais acesso ao jogo do que as mulheres. Muitos de nós começamos a jogar na infância, quando os grupos de amigos ainda são prioritariamente baseados no gênero. Assim, os meninos vão chamando outros meninos para jogar, perpetuando a condição de minoria das meninas. Além disso, vejo muito preconceito com o “brincar” na fase adulta das mulheres.

Você acha que Angélica seria vista com camisa do Batman?
Sim, você não leu errado: RPG é uma brincadeira, acima de tudo. E a sociedade não vê com bons olhos mulheres que brincam. Homem pode jogar pelada, jogar vídeo-game, vestir camiseta divertida, sair de tênis à noite. Mulher não pode. E se RPG é uma brincadeira, uma mulher que jogue RPG em sua vida adulta é considerada menos feminina, me parece. Quando você vê uma matéria glorificando os “nerds”, é mais comum encontrar garotos ou garotas geeks ilustrando a reportagem? Geralmente as mulheres em cena são umas gostosas fantasiadas servindo de “mulher-samambaia”… dureza. Não, não estou dando uma de feminista, estou relatando a verdade. Penso que o “status quo” relega aos homens o papel de imaturos, engraçados, brincalhões (ou pelo menos é mais condescendente com homens que se comportem desta forma); as mulheres têm de ser maduras, femininas, sedutoras, chatas, até. Esse é o estereótipo.
E é claro que no mundo do RPG, que é um microcosmo do nosso mundo, estes estereótipos são passados adiante sem muita reflexão. Quem nunca ouviu (ou nunca disse…) que mulher “não sabe mestrar”, “não gosta de fantasia”, “só joga RPG por causa do namorado”?
Será que mulher não sabe jogar?
Posso estar fazendo um gol contra, mas me arrisco a dizer que a maioria das meninas gosta muito mais de “interpretar” do que de saber com quantos paus se faz uma canoa dados se faz uma rolagem de combate. Eu não sei o motivo disso. Talvez também seja cultural, garotas são estimuladas a ser emotivas e a lidar bem com palavras, enquanto meninos são ensinados a se comportar de maneira racional e a privilegiar números… e esta socialização boboca transparece na hora do jogo. Já cansei de ver jogadoras “super experientes” que não sabem fazer uma ficha do sistema que dizem jogar há anos… e nunca vi um homem que goste muito de um sistema ignorar coisas básicas do mesmo. E isso é um prato cheio para os preconceituosos. Então, eu conclamo: meninas, ignorem as regras que quiserem, mas pelo menos se dêem ao trabalho de conhecê-las. Experimentem mestrar para o grupo de vocês. Montem fichas de personagem… E vocês, garotos, colaborem! Pensem em todas as barreiras que uma menina teve de enfrentar para apreciar o jogo, e sejam legais.
Mas esse post está ficando enorme, e tudo o que eu quero dizer é: uma menina joga RPG da mesma forma que um menino, apenas pode ter encontrado mais dificuldade para começar a jogar por questões sócio-culturais – mas um grupo bacana pode ser decisivo para tirar esse “ranço”. E um grupo de RPG no fim das contas é um grupo de amigos – e amizade independe de gênero.
Apêndice 1
Será que eu preciso mesmo abordar algum tipo de “tensão sexual” que possa ocorrer dentro do grupo? O blog é voltado para maiores de 18 anos, gente que já aprendeu a lidar melhor com seus hormônios… além disso, também não achei pertinente falar da “namorada que impede o namorado de jogar”. Meu foco é nas RPGistas, não nas garotas externas ao grupo. Também acho que ainda não é hora de falar sobre como os jogos de RPG representam as mulheres.
Mas estes também são temas relevantes. Caso alguém se interesse, deixe feedback. Quem sabe no futuro eu não fale mais deles?
Apêndice 2
Falei muito de jogadoras, mas não esqueci das autoras. Se você acha que autoras de RPG são mais raras que companheiras de mesa, dê uma olhadinha nessa lista, que compila algumas das autoras mais famosas.
Imagens meramente ilustrativas